ENTREVISTA AO PRIMEIRO DIRETOR DO SEMINÁRIO NAZARENO DE CABO VERDE
DR. JAMES ELTON WOOD
P – Qual foi o embrião do Seminário Nazareno em Cabo Verde?
R – Os primeiros missionários americanos, Rev. Everette Howard e D. Garnet, começaram a lecionar Cursos Bíblicos, em casa deles, aos pastores pioneiros. Mais tarde o Dr. Earl Mosteller e esposa D. Gladys deram início à Escola Bíblica no prédio conhecido pelo nome de Broadway, com quatro casais que já residiam no dormitório e com o apoio da dedicada governanta, D. Hermínia. Durante os nossos anos em Cabo Verde ainda tivemos a extraordinária ajuda de outras duas óptimas governantas: D. Armanda Conceição e D. Idalina Barreto.
P – Quando foram nomeados como missionários para Cabo Verde já sabiam que iriam organizar a Escola Bíblica?
R – Sim, o Dr. Mosteller, estando de “furlough” nos EUA, convidou-nos para isso mesmo. Depois de um ano em Portugal a estudar a língua portuguesa, chegamos a S. Vicente a 11 de Novembro de 1953. Fomos recebidos com entusiasmo pelos Mostellers e pelos estudantes da Escola Bíblica.
P – Quais foram os primeiros professores da Escola Bíblica?
R – O casal Mosteller, Margaret e eu e o Sr. Humberto Pires Ferreira que também era o Mentor.
P – Quando é que se deu a mudança de nome de Escola Bíblica para Seminário Nazareno?
R – Levou algum tempo, mas aconteceu ainda antes da primeira classe se formar. Tivemos que preencher muitos impressos exigidos pela comissão de escolas e colégios da denominação, pois queriam certificar-se que o corpo docente tinha qualificações para exercer o professorado num seminário. Deve ter sido entre 1955 e 1956.
P – Quais os professores que consistentemente formaram o corpo docente com o casal Wood?
R – Inicialmente foram os Mostellers, depois o Rev. Roy e D. Glória Henck. D. Lili Medina deu aulas de música às senhoras e o maestro Sr. Reis aos homens. Sr. Augusto Miranda lecionou Português. Mais tarde tivemos outros dois professores competentes, Revs. António Barbosa e Jorge de Barros.
P – O Sr. falou do Prospecto. Que é o Prospecto Nazareno e quando é que foi lançado?
R – Basicamente o Prospecto Nazareno é um esboço dos requisitos académicos, manual de conduta, descrição pormenorizada dos cursos e outros condicionalismos que norteiam a vida do aluno prospectivo e a do seminarista desde que entra no Seminário até se formar. Com a prestimosa ajuda do Sr. Humberto Pires Ferreira, que era o meu braço direito em tudo o que dizia respeito ao Seminário, o Prospecto começou a circular em 1963.
P – O Dr. Wood teve a oportunidade de presidir à formatura de muitas classes. Alguma delas marcou-o em particular?
R – Sem dúvida foi a primeira, não só por ser a primeira, mas também porque com essa classe o evangelho chegou a todas as ilhas pela presença da Igreja do Nazareno.
P – Ouvi que não tinham dinheiro para o salário da primeira classe formada. Como é que resolveram o problema?
R – Foi dramático! Dr. Mosteller contava com a ajuda da Sede que não foi concedida. O Concílio Missionário reuniu-se para oração. Lembro-me de ver o Rev. Eades em lágrimas.
As igrejas existentes foram convocadas para orarem por este problema. O SD Mosteller reuniu-se também com os recém-formados para lhes explicar a situação, mas todos disseram que iriam para os seus respectivos campos, mesmo sem garantia de salário. Foi dessa emergência que nasceu o Fundo Distrital para sustento dos pastores das igrejas com menos recursos, ainda hoje em vigor.
P – Os jovens com uma chamada para o ministério pastoral foram organizados na chamada classe de Alunos Prospectivos. Que importância teve essa classe?
R – Foi da maior importância. O candidato era recomendado pelo seu pastor e aprovado pelo Concílio Missionário. Ficava sob a orientação do seu Pastor mas o Diretor do Seminário também tinha contacto direto com ele, até que preenchesse os requisitos académicos necessários para ingressar no Seminário. O pastor que recomenda um jovem para o ministério tem uma grande responsabilidade. Ele deve certificar se o jovem realmente tem uma chamada para o pastorado e não é alguém que apenas está a tentar conseguir um curso de qualquer maneira.
P – Na organização do futuro Seminário seguiu algum modelo de Escola Bíblica existente?
R – Sim, tive que consultar os catálogos dos Colégios e Escolas Bíblicas Nazarenas.
P – Quem escolheu os símbolos, o hino, o lema e o distintivo oficial do Seminário Nazareno de Cabo Verde?
R – Foram os próprios alunos da primeira classe.
P – Como é que nasceu a Biblioteca do Seminário?
R – Quando começámos não tínhamos mais do que uma dúzia de livros. Uma das primeiras aquisições foi o “Biblical Illustrator” que embora em Inglês, continha muitas ilustrações e esboços de mensagens que ajudavam os alunos na preparação de sermões. Iniciámos o que chamámos “Budget for Books” e assim comecei a encomendar livros aos poucos, os quais foram catalogados no sistema de duodécimo. A irmã Raquel Schofield foi treinada nesse sistema e durante anos foi uma excelente bibliotecária. Antes de deixarmos Cabo Verde já tínhamos uma biblioteca com pelo menos dois mil volumes.
P – Se tivesse oportunidade de falar com os atuais e futuros professores do Seminário Nazareno de Cabo Verde, que é que lhes diria?
R – Que vivam e ensinem a doutrina de Santidade. Existem hoje muitas igrejas que pregam o evangelho, mas poucas pregam a santidade. A Igreja do Nazareno existe para proclamar e perpetuar a doutrina de Santidade. Se não vivermos e pregarmos a Santidade estaremos a desvirtuar o propósito da nossa existência.
P – Uma palavra para os Seminaristas de hoje e do futuro, que serão os continuadores da Igreja do Nazareno em Cabo Verde e noutras partes do mundo?
R – Que estudem e aprendam bem a doutrina de Santidade; que vivam vidas santificadas e sejam pregadores fieis e convictos da inteira santificação pela fé.
P – O Rev. J. Elton Wood é o único sobrevivente de uma classe de Missionários Nazarenos que marcaram muitas gerações de cabo-verdianos, muitos deles formados sob a sua magistratura. Poucos meses atrás tivemos a tristeza de nos despedirmos da querida irmã D. Margaret Wood que partiu para a eternidade. Quão relevante foi a contribuição dela na sua vida, ministério e no desenvolvimento e crescimento do Seminário Nazareno em Cabo Verde, para não mencionar no Brasil também?
R – Não sei o que eu teria feito sem ela. Foi minha companheira leal e conselheira competente por 73 anos. Mulher prática, de dons multifacetados, incluindo talento musical e formação em Literatura Bíblica, que entre outros, fizeram dela a ajudadora sem a qual o meu ministério não teria sido o que foi, tanto em Cabo Vede como no Brasil. Por ela darei sempre graças e louvores a Deus.
P – Uma palavra final?
R – Imensa gratidão ao Senhor Jesus pelos meus 95 anos de vida e os muitos que Ele me ajudou a investir na Sua Seara. Conservo memórias preciosas dos colegas e alunos que passaram pelos nossos seminários. Regozijo-me com o progresso de todos e com o cumprimento da promessa que Deus deu ao Rev. Everette Howard, que o trabalho de Deus em Cabo Verde daria frutos e os frutos haviam de permanecer. “Eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça.” (João 15:16)
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Muito obrigado Dr. Elton Wood, pelo privilégio e honra desta curta entrevista e também pelo seu investimento na minha vida e ministério desde os remotos dias da minha adolescência, na Ilha do Sal. As maiores felicidades e as mais ricas bençãos do Alto. (Mateus 25:23)
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(Entrevista conduzida por José Delgado, ex-aluno do SNCV, classe de 1968)